
Romano de nascença, paulistano por escolha, Matteo Gavazzi chegou para ficar ao Brasil em 2010. Seu olhar estrangeiro apaixonado pela arquitetura brasileira deu vida à Refúgios Urbanos, imobiliária que criou um modelo de vender casas e apartamentos unindo valorização do patrimônio arquitetônico com a busca por qualidade de vida. Curioso e inquieto, ele não se contentou apenas em vender imóveis — tornou-se documentarista urbano com os projetos Prédios de São Paulo e Casas de São Paulo, que trazem fotos e histórias de construções icônicas da cidade.

Nesta entrevista ao TINO Econômico, Gavazzi conversou com Clara P. O., de 16 anos, sobre o mito de precisar ter muito dinheiro para empreender. Confira.
Você veio da Itália. Por que escolheu especificamente o Brasil para fundar sua empresa?
Meu pai trabalhou no Brasil durante bastante tempo, e eu tinha a possibilidade de tirar o passaporte brasileiro, sem ter barreiras de imigração ou precisar renovar visto. Foi uma escolha prática. Cheguei em 2009, quando o Brasil vivia um momento muito positivo, com os preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Parecia um lugar perfeito para tentar uma nova vida.
Hoje você diria que o país continua sendo um ótimo lugar para começar a empreender?
Sim. O Brasil é um país continental, cheio de espaço, desde o geográfico até o de oportunidades. Neste momento do mundo, o que vale são as ideias e a execução delas. Há 50 anos, se você não tivesse capital para fundar uma fábrica, comprar maquinário, dificilmente se tornaria empreendedor. Hoje, um brasileiro pode fazer uma empresa incrível na internet e vender para todo o mundo. Acho que é um dos melhores momentos da humanidade para empreender, e o Brasil, apesar da burocracia e do sistema de impostos nem sempre claro, ainda é um país fantástico.
O que te motivou a fazer esse caminho tão amplo na hora de empreender?
Vim da Itália, trabalhei em restaurante italiano, um caminho clássico de imigrante. Depois fui para uma imobiliária, da qual acabei sendo demitido. O que me motivou a empreender foi que eu estava gostando daquele trabalho com imóveis e vi uma oportunidade de fazer uma empresa do meu jeito. Inicialmente, foi a necessidade que me motivou. A parte romântica, de sonhar um negócio diferente, veio depois, com essa necessidade de seguir em frente.
Quando teve a ideia de começar um uma empresa nova empreendimento, qual foi seu maior desafio?
O maior desafio foi a idade. Eu era um corretor superjovem, de 24 anos, tendo vendido na outra imobiliária um único imóvel, com pouquíssima experiência. O desafio era mostrar que eu alcançaria bons resultados com energia, curiosidade, humildade e transparência. Nunca menti falando que tinha feito um monte de vendas. As pessoas têm que colocar um bem de muito valor na sua mão, então agradeço a todos que me deram a oportunidade.
Muitas pessoas têm ideias de novos negócios, mas, na hora de tirar do papel, travam. Quais foram os primeiros passos para conseguir abrir sua empresa?
Ideia todo mundo tem, é relativamente fácil ter ideias. O mais difícil é desdobrá-la em ações possíveis, factíveis, dentro do curto, médio e longo prazo, e manter uma disciplina em cima daquilo que você se propõe a fazer. Quando saiu a matéria sobre a Refúgio falaram: “Precisou chegar um italiano para falar dos prédios de São Paulo”. Não é que precisou chegar um italiano, é que eu fiz isso de maneira constante. Criei uma página e, toda semana, se não todo dia, alguma coisa saía, e esse movimento já dura 11 anos. O mais difícil é se manter dentro da ideia, executar e acreditar o quanto for necessário para que você veja os frutos nascerem. Sempre brinco com a biologia das coisas. Não adianta plantar uma semente hoje e ficar irrigando, jogando luz, achando que vai brotar mais rapidamente. Tem ali um tempo natural e orgânico, inclusive com altos e baixos. Se a ideia for boa e você estiver agregando valor, tem que seguir, porque uma hora as coisas vão crescer e se estabilizar.
Tem que ter muito investimento financeiro para abrir um negócio?
No meu caso, eu não tinha muito investimento financeiro. A logomarca da Refúgio custou 250 dólares [em torno de 1,4 mil reais] e foi feita por um profissional colombiano que contratei numa plataforma on-line. O primeiro site era em uma plataforma norte-americana que custava 8 dólares [45 reais] por mês. Como não tinha um sistema de filtro, dividimos por abas como “morar sozinho”, “vida a dois”, “a família cresceu”. Um empreendedor, mais do que poder financeiro, tem que ter capacidade de se adaptar ao momento. O que vejo muito é gente que tem o dinheiro, monta toda a loja, tudo bonitinho, aí abre e quebra, porque não testou o produto, se vai gostar de vender, se o ponto escolhido é o certo…
O dinheiro pode ser importante, mas não é o mais essencial. No meu caso, o dinheiro foi chegando aos poucos. Entendi como criar valor contando as histórias dos prédios, dos arquitetos, criando conexões por meio dessas narrativas nas redes sociais, que, na época (2013-2014), eram muito orgânicas. Conseguimos criar uma rede e agregar valor em volta do negócio, juntando muita gente com pouco dinheiro.
Qual a idade que você acha a mais apropriada para começar a empreender?
Antes de responder, empreender não é para todo mundo. Existe um perfil de quem gosta de tomar mais riscos. Não há mal nenhum em ter um perfil mais de funcionário, no sentido de querer o salário todo fim de mês, fazer um trabalho com início, meio e fim de jornada. Se a pessoa tiver o primeiro perfil, eu diria o quanto antes. Porque, partindo do pressuposto de que você vai ter que errar, acertar e aprimorar, criar uma rotina e fazer isso por muito tempo antes de dar certo, quanto antes você começa, mais chances terá e antecipará sua possibilidade de sucesso. Tem uma brincadeira que diz que só há dois momentos para plantar uma árvore: há 20 anos ou agora. Se você não plantou há 20 anos, o melhor momento para plantar é agora.
Você teve algum arrependimento na sua trajetória?
Não é arrependimento propriamente dito, porque deu tudo certo, mas comecei muito cedo a empreender, trabalhar, dedicar muitas horas do meu tempo ao trabalho. Algumas coisas eu não curti, outras, fiz muito apressadamente. No fim do jogo, todo mundo morre. O tempo é a única coisa que não volta, e a mais preciosa de todas. Por mais que você se dedique a um projeto, este tem que estar em volta de pessoas, que têm que fazer parte da sua vida, incluindo amigos, pessoas fora do trabalho, sua família.
A profissão de corretor não costuma ser a primeira opção de estudantes. O que te motivou a escolher essa carreira?
Aos 24, 25 anos, eu notei que podia reunir, em volta do mercado imobiliário, os meus conhecimentos, as minhas paixões, aquilo em que era bom. Foi juntar a fome com a vontade de comer, no sentido de que eu tinha capacidades que, aliadas a uma marca no mercado imobiliário, dariam um encaixe. Para empreender é preciso ir nessa direção de você juntar o que tem de melhor com o que o mercado oferece. No caso do mercado imobiliário, a barreira de entrada é relativamente pequena. Não precisa ser formado em faculdade, por exemplo, com o ensino médio você já consegue tirar o Creci [sigla de Conselho Regional dos Corretores de Imóveis, que emite o registro para o profissional atuar na área].
Eu sou muito indecisa. Um dia, quero fazer algo relacionado a teatro, no outro, desenho. Você tem alguma dica para conseguir ter certeza da escolha?
A dica que vou te dar é que, neste momento da sua vida, você experimente o máximo possível de coisas. Não foque em uma só, porque o que vai te dar o seu caminho é experimentar, para você falar “gostei” ou “não gostei”. Esse não é o momento da vida para você focar apenas em algo, a menos que já tenha muita certeza de que é só isso que quer fazer. Se tiver dúvidas, experimente, porque você vai ter muito tempo ainda pela frente para escolher.
Tenho muito medo de terminar minha faculdade de artes cênicas e não saber o que fazer com meu diploma, não conseguir trabalho.
É um medo totalmente normal. No mundo em que estudei, esse problema era mais sério, porque as pessoas dificilmente eram contratadas por ser quem eram, e sim pelo que haviam estudado e suas capacidades técnicas. Vejo que o mundo mudou muito e, hoje, as empresas estão captando com base em características que não são só profissionais. A faculdade de artes cênicas vai te dar muitas capacidades, especialmente as menos técnicas, como comunicação e trabalho em equipe, que costumam ser chamadas de soft skills. Vamos precisar muito de pessoas mais ligadas às artes. Por mais que possa parecer estranho, acho que a faculdade de artes cênicas está com tudo.
Que conselhos você daria para alguém que quer começar a empreender?
O melhor conselho é encontrar algo de que você realmente goste, que curta e você entenda que pode se desenvolver e ser bom naquilo. Empreender é criar valor e, dentro daquilo que você cria valor, você fica com uma parte do valor. Tem uma dicotomia que não é minha, e sim de alguns empreendedores, que falam que você tem que ter curiosidade e foco, humildade e ambição. São coisas que parecem opostas, mas acabam sendo superimportantes no caminho do empreendedor.
O que significa a palavra sucesso para você?
Vou recorrer a um aspecto mais etimológico, no sentido de êxito. É você se programar para fazer algo e conseguir realizar o que se designou a fazer. Para mim, o sucesso é isso. Quero vender um apartamento, consegui vender esse apartamento — isso já é um êxito, um sucesso.