O que você sente interfere em como você gasta

Lucia Stradiotti dá aula de educação financeira com o objetivo de mostrar que tratar das emoções é tão importante quanto fazer contas para lidar bem com o dinheiro
12 de março de 2024 em Edições Impressas, Entrevista

Ser uma educadora financeira nunca foi o foco de Lucia Stradiotti, mas, ao longo da vida, ela foi direcionada para esse caminho. “Fiquei muito tempo orientando mulheres que, depois da maternidade, buscavam empreender. E o grande desafio delas era a questão financeira”, conta.

Bruna L., de 16 anos

Depois do nascimento de seus dois filhos, Caio, de 12 anos, e Rafael, de 7, ela sentiu a necessidade de falar sobre esse tema com eles. Foi assim que se especializou no assunto com três pós-graduações e hoje segue orientando diferentes públicos, em especial mães.

Nesta entrevista para o TINO Econômico, ela conversou com Bruna L., de 16 anos, aluna do 2º ano do ensino técnico da Etec Getúlio Vargas.

Por que você decidiu falar sobre educação financeira?

Eu sempre tive vontade de ler a respeito, porque observava que a visão que meus pais tinham do dinheiro era muito limitada, apesar de serem bancários. Como eu colaborava com mulheres empreendedoras, comecei a me especializar cada vez mais na questão financeira para poder ajudá-las a desenvolver um negócio e, aos poucos, elas passaram a me procurar mais. Assim, eu fui me especializando nisso para poder dar esse suporte.

Você traz muitas dicas para mães. Por quê?

A minha ideia de discutir esse tema com mães foi de trazer um pouco de representatividade para essas mulheres que tentavam acompanhar aquelas dicas e se achavam incompetentes por não se sentir capazes de as seguir — quando, na verdade, era um problema de falta de tempo e autocuidado e uma série de questões que acabam impactando o emocional.

O que você acha que é mais importante as pessoas saberem sobre o dinheiro?

As pessoas ainda têm uma visão muito limitada à matemática no que diz respeito a dinheiro e educação financeira. Mas precisamos entender que se trata de uma ciência humana, porque o dinheiro tangencia todas as áreas da nossa vida. Se o assunto é dinheiro, eu não estou falando só de saldo bancário, só da fatura do cartão, só de fazer uma conta de mais e menos. Eu estou tratando de comportamento, de gerenciamento emocional, do impacto disso em várias esferas.

Você acredita que é possível uma pessoa enriquecer ao longo da vida só com a educação financeira, sem uma alavanca como ganhar na loteria ou algo assim?

Depende da expectativa do que é enriquecer para a pessoa, mas eu já vi muita gente mudar de vida e transformar sua realidade e a da família com a educação financeira. Se uma pessoa tiver o privilégio (porque entra essa questão também) de ter um salário digno, que cubra todas as despesas e ainda sobre algo e ela fizer bom uso disso, eu acredito que é possível enriquecer, porque o dinheiro é uma construção. Agora, é claro que a gente está falando também de privilégio. Essa não é a realidade da maioria da população brasileira. Eu acho que a educação financeira é parte da solução, mas não é a única, principalmente quando se fala de questões estruturais.

O que adolescentes como eu deveriam saber sobre educação financeira?

Quando entrei na faculdade, meus pais abriram uma conta para mim e me deram um talão de cheque, que talvez você nem saiba o que é, mas na época era muito usado. Eu comecei a pagar com alguns cheques e lembro que tinha um valor de cheque especial. Era um limite baixo, mas eu me recordo de tê-lo usado todinho no primeiro mês, e minha mãe veio me questionar sobre o porquê. Eu falei: “Uai, o dinheiro está lá, é um dinheiro especial para mim”. Eu era filha de dois bancários e não tinha a informação do que era cheque especial. Então, eu acho que os adolescentes deveriam já participar da dinâmica, já conversar a respeito, já se inteirar desses assuntos.

Como você acha que as escolas deveriam tratar a educação financeira?

A educação financeira na escola ainda é muito vinculada à matemática. Não que isso seja ruim, mas acho que não é só por aí. Falta a visão comportamental, o olhar humano para o dinheiro, porque não existe saúde financeira sem um bom gerenciamento emocional.

O que a gente sente determina como a gente gasta?

Totalmente. Eu atendo muitas mulheres e percebo que a falta de autoestima ou uma distorção de imagem, que é comum depois da maternidade, por exemplo, pode levar a pessoa a gastar compulsivamente, na tentativa de tentar se reencontrar. Essa é uma questão muito mais emocional do que financeira. Não são essas coisas externas que vão trazer equilíbrio mental, mas a busca muda o padrão de gastos.

Pode contar uma história de alguém que mudou a própria vida após seus ensinamentos?

Eu tenho muito carinho pela história da primeira pessoa que atendi, uma mulher que tinha passado por um divórcio e estava endividada. Ela era professora, e eu fui trazendo algumas coisas básicas, como a percepção de que o supermercado não era um gasto fixo, e sim variável. Ou seja, apesar de ele ser obrigatório, ela poderia reduzir a conta realizando uma compra mais consciente. Com ações simples assim ela conseguiu quitar as dívidas e fazer um curso na Espanha, que era seu sonho de vida. Ela conseguiu pagar a viagem e até hoje me escreve agradecendo.

O que você acha da frase “dinheiro não traz felicidade”?

Eu não considero essa frase 100% verdade. O dinheiro não traz felicidade, mas a falta dele pode acarretar muita tristeza. Eu já vi famílias sofrerem muito e divórcios acontecerem por falta de dinheiro, então acho que precisamos sempre questionar essas frases, entender qual o contexto e saber que existem realidades diferentes.

 Menina com celular. Foto criada por diana.grytsku - br.freepik.com

Já tem cadastro?

Acesse!

Não tem cadastro?

Assine!