
Por Beatriz Santomauro
A cidade de Bonn, na Alemanha, recebeu nas duas últimas semanas, de 16 a 26 de junho, governos e representantes de diversos setores para discutir como colocar em prática os compromissos assumidos pelos países para enfrentamento das mudanças climáticas. O encontro estava sendo acompanhado com muita expectativa por ser preparatório para as negociações da COP30, a Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, que ocorre em novembro, em Belém (PA), pela primeira vez no Brasil.
Maria Gabriella Rodrigues de Souza, advogada que trabalha como Analista de Política Climática na LACLIMA (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action), está animada para participar de sua terceira COP, mas foi sua primeira vez na Conferência de Bonn. Ela tem 23 anos, é nascida em Porto Nacional, no Tocantins, e explica a importância de estarmos atentos a esses assuntos e negociações internacionais: “A crise climática não é apenas uma questão ambiental isolada, mas um fator que aprofunda desigualdades históricas e impacta de maneira desproporcional populações vulnerabilizadas”.
Direto da cidade de Bonn, já no final da Conferência, ela conta como foi a experiência de participar de perto das discussões: “Foi uma experiência incrível. É muito interessante poder ver de perto como os textos que chegam à COP são construídos, entender os debates técnicos e os bastidores das decisões. O ambiente é bastante dinâmico, porque circulam pessoas do mundo inteiro e as conversas nos corredores são em diversas línguas, com uma troca muito rica de experiências. A rotina é intensa: são várias reuniões ao longo do dia, além de eventos paralelos e articulações informais. Cada dia me trouxe novos aprendizados”, conta.
Maria Gabriella respondeu, com exclusividade para os leitores do TINO, a entrevista abaixo:
Como as discussões que aconteceram podem impactar a COP 30?
O que está sendo discutido agora em Bonn pode ter um impacto direto no sucesso da COP 30. Em Bonn, a ideia é avançar na elaboração de textos que sirvam como base para decisões na COP, facilitando o processo político que acontecerá em Belém, no fim do ano. Isso porque muitos dos temas tratados aqui envolvem aspectos técnicos e operacionais que precisam estar prontos para que as decisões políticas na COP possam ser tomadas com base sólida.
Por exemplo, em Bonn são negociados os primeiros rascunhos de texto que depois serão levados à mesa de ministros e chefes de Estado em Belém. Se esses textos forem bem trabalhados e já contarem com algum nível de consenso técnico, isso facilita muito o trabalho político durante a COP. Além disso, quando os países conseguem avançar aqui em Bonn, a COP ganha mais espaço para decisões de maior impacto. Então, embora Bonn não tenha o mesmo nível de visibilidade que a COP, é aqui que boa parte das engrenagens começam a se movimentar.
Qual foi o seu trabalho na Conferência de Bonn?
Estou participando da conferência como parte da delegação da LACLIMA (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action), acompanhando de perto a agenda de transparência. Essa agenda é fundamental porque trata da forma como os países reportam suas ações climáticas, isso é, como estão reduzindo emissões de gases de efeito estufa, se estão cumprindo suas metas e como estão recebendo e utilizando apoio financeiro e técnico. A transparência é o que garante que os compromissos assumidos possam ser monitorados, comparados e avaliados de forma justa. É também uma forma de construir confiança entre os países e permitir que todos, inclusive a sociedade civil, possam acompanhar o progresso climático global.
O que você considera como avanços da conferência?
Um avanço importante foi o de que agendas centrais para a presidência da COP – como Meta Global de Adaptação (GGA), Transição Justa e Global Stocktake (GST) – que saíram de Bonn com versões iniciais de texto e agora serão trabalhadas com mais profundidade na COP 30. Isso é fundamental para que se consiga chegar a decisões mais maduras e ambiciosas no Brasil.
O que poderia ter sido melhor?
Alguns temas não conseguiram avançar tanto quanto o esperado, principalmente por conta do tempo curto e da complexidade dos assuntos. Em algumas agendas, as divergências entre países ainda são grandes e isso dificulta a construção de textos mais consensuais. Além disso, em temas como apoio financeiro e técnico, muitos países em desenvolvimento expressaram preocupações com o acesso aos recursos e com a necessidade de fortalecer suas capacidades de implementação. Esses pontos ainda precisarão de maior atenção nos próximos encontros.
Por fim, conte-nos sobre seu percurso de vida e escolha profissional. O que te levou a ter essa paixão pela área climática?
Eu chego nas discussões sobre clima a partir do caminho de pensar a justiça. Desde o início da graduação em Direito, meu olhar esteve voltado para as desigualdades: pesquisei sobre gênero e raça e para como essas estruturas atravessam a vida das pessoas. Sempre tive muito interesse pelo Direito Internacional, sobretudo pelas formas como ele pode responder a essas injustiças. Pesquisar justiça climática, transição justa e direitos humanos foi um caminho natural, porque era onde essas agendas se encontravam. Ao mesmo tempo, com o avançar desses estudos me apaixonei por entender a parte técnica. Para mim, entender os instrumentos jurídicos, os acordos multilaterais, as obrigações estatais, os mecanismos de monitoramento e até os aspectos regulatórios da implementação climática é essencial. A técnica dá sustentação ao discurso político e à incidência. E tem também um lado mais íntimo. Desde muito nova, meu pai fez questão de me aproximar da dimensão de meio ambiente e sinto que me fez desde sempre entender que sou parte.