O dinheiro não é vilão

Criador da plataforma Tangram, Felipe Baldi transformou a inquietação com a escola tradicional e falta de preparo das famílias para lidar com dinheiro em uma solução gamificada que já impacta milhares de estudantes brasileiros
2 de junho de 2025 em Edições Impressas, Entrevista, Público

Felipe Baldi cresceu em uma casa onde dinheiro era sinônimo de preocupação. Viu os pais se endividarem repetidamente enquanto tentavam empreender, sem sucesso. Ainda criança, percebeu — com a ajuda da matemática — que faltava conhecimento, não esforço. Anos depois, decidiu transformar essa vivência em missão: criou a Tangram, plataforma de educação financeira gamificada que leva para escolas de todo o Brasil um tema essencial e obrigatório, mas ainda pouco ensinado: a educação financeira.

Para esta matéria do TINO Econômico, ele foi entrevistado por Maria H. O., de 16 anos, aluna do 2º ano do ensino médio do Colégio Progresso, de Campinas.

Qual foi sua experiência com educação financeira quando você estava na escola?

Eu não tive aula de educação financeira na escola nem muitos aprendizados com meus pais, eles sempre foram muito endividados. Meus pais frequentemente tentavam empreender, e todos os negócios davam errado, porque não conseguiam gerenciar o dinheiro. Como sempre fui bom em matemática, eu já conseguia perceber que eles estavam tomando algumas decisões erradas. O máximo que eu vi foi um pouco de matemática financeira, mas são ciências diferentes — matemática é exata, educação financeira é, sobretudo, comportamental.

Qual você considera o maior desafio para a educação financeira no Brasil?

Acho que envolve muito uma mudança de mentalidade das pessoas em relação ao significado do dinheiro. Muitos acreditam que o dinheiro ainda é o vilão, que quem tem dinheiro é uma pessoa ruim ou explora as outras. O dinheiro pode ser muito bom, pode fazer muito bem. Então, eu acho que a gente precisa primeiro mudar a mentalidade, entender que sim, o dinheiro pode promover bons momentos e alegria, mas para isso é preciso ser menos imediatista e pensar mais no longo prazo.

Qual é o papel da escola na formação de pessoas que sabem gerenciar seu dinheiro de modo inteligente?

A escola tem um papel não apenas fundamental, como obrigatório pela BNCC [Base Nacional Comum Curricular]. Ela precisa desempenhar esse papel, e a gente não pode, infelizmente, passar essa responsabilidade para os pais, porque quase 80% das famílias brasileiras estão endividadas. Se os pais têm problemas para gerenciar o dinheiro, será difícil para eles ensinar isso aos filhos. Então a escola precisa desempenhar esse papel, pelo menos nesse primeiro momento, nos próximos anos, para que os estudantes tenham esse conhecimento e possam até ensinar aos pais.

O jovem de hoje tem muito mais acesso à informação do que no passado. Isso o ajuda a ser mais educado financeiramente?

De forma geral, sim. Mas, ao mesmo tempo, tem muitos estudantes que tomam decisões piores, que são mais imediatistas, em consequência dessa facilidade. Ter informação, ter mais conhecimento, não necessariamente impede um jovem de realizar uma ação imediatista e, por exemplo, apostar nas bets. Ter mais conhecimento não necessariamente implica no comportamento financeiro adequado.

Que conselho você dá a jovens que querem começar o próprio negócio, mas têm receio por achar que têm pouca experiência?

Se um jovem tem vontade de começar a empreender, ele precisa começar, mas de uma maneira sustentável, sem deixar de lado o conhecimento. Coragem sem preparação é imprudência. Então, tem que moderar essa coragem, porque eu vejo muitos jovens saindo da escola querendo empreender. O desejo é válido, mas, antes de começar, é preciso ter o mínimo de capacitação, de competência, para fazer algo. É importante moderar e fazer perguntas para pessoas mais experientes.

O que te motivou a fundar a Tangram?

Eu sempre fui muito inconformado com as experiências de aprendizagem na escola, com o formato muito tradicional. Então eu quis criar um modo de ensinar que realmente fosse envolvente e interessante para o estudante. Ao mesmo tempo, eu queria compartilhar um conteúdo que as escolas ainda não entendiam que era importante ou tinham dificuldade de implantar. Educação financeira é um tema obrigatório desde 2020, e as escolas tinham muita dificuldade de instituir. Aí criei uma solução gamificada que envolve muito os estudantes e, ao mesmo tempo, é superfácil para o professor implantar na escola.

Durante o processo de criação da Tangram, teve algum momento difícil em que você pensou em desistir?

Momento difícil é todo dia, mas eu nunca pensei em desistir. Eu acho que isso me diferencia muito em relação a outros empreendedores. Quando eu decidi empreender na área da educação, tinha muita clareza do que queria e imaginava que fosse difícil. O que eu faço hoje é algo que me realiza muito, então não me vejo fazendo outra coisa.

Uma dica para pessoas da minha idade que vão começar a lidar com dinheiro.

Trabalhe muito. É isso. Eu acho que as pessoas hoje não querem trabalhar. A galera quer atalhos, mas, no fim do dia, isso não existe. Existem melhores decisões e existe trabalhar de forma inteligente, mas, ainda assim, tem que trabalhar muito. Quer ter segurança financeira, quer ter uma vida boa? Não tem outra opção. Tem que trabalhar muito mesmo.