Grandes pequenos times

Por João Resende
5 de setembro de 2023 em Artigos, Edições Impressas, Nacional, Opinião Jovem
Foto: Getty Images

O futebol se tornou muito mais do que uma simples modalidade esportiva. Ao se popularizar em todo o mundo — e mesmo onde não é muito praticado — esse esporte cativa pessoas de todos os países. Para o torcedor, seu time chega a ser algo praticamente sagrado, assemelhando-se a uma religião.

O futebol alcançou algo que nenhum outro esporte coletivo conseguiu: existem ligas em qualquer país do planeta, e é possível que 95% das cidades no mundo tenham uma equipe, seja ela amadora, semiprofissional ou profissional. Até quando o time tem apenas alguns poucos torcedores, pode ainda assim ser “grande”, exercendo um papel de representação social de um bairro, uma rua ou uma comunidade.

A base da pirâmide econômica

Mesmo que os times mais relevantes sejam aqueles que atraem os holofotes, são as equipes amadoras que possibilitam a consolidação das profissionais dentro do cenário do futebol. Se, do ponto de vista macroeconômico, os clubes com menos poder financeiro não são representativos, não se deve esquecer que eles formam “a base da pirâmide”, como diz o economista Marcelo Weishaupt Proni, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Segundo ele, “os clubes amadores e os semiprofissionais são importantes economicamente, porque ajudam a reproduzir os mercados consumidores de serviços e artigos esportivo. Ou seja, são importantes para a indústria do futebol, mesmo que, para a economia brasileira em seu conjunto, a relevância seja muito pequena”.

Situação “cronicamente deficitária”

A trajetória financeira das equipes mais alternativas costuma ser, porém, muito cruel, especialmente em função da crença disseminada de que, para um clube se manter competitivo, é preciso fazer investimentos contínuos — o que se dá, muitas vezes, de forma impensada. Isso faz com que, na ausência de uma boa gestão, as equipes acabem acumulando dívidas gigantescas, acarretadas pela pressão inerente a essa modalidade esportiva e pela instabilidade nas receitas, que oscilam em razão de presença de torcida, venda de produtos, desempenho nas competições etc.

A situação financeira da maioria dos clubes brasileiros de maneira geral é avaliada por Proni como cronicamente deficitária, o que, segundo ele, é algo que ocorre também em outros países. Ou seja, se até os grandes clubes sofrem com desafios financeiros, não seria de se esperar que os pequenos sairiam ilesos dessa ciranda financeira.

“O principal motivo é que a concorrência esportiva pressiona os clubes a aumentar gastos, mas as receitas são instáveis e incertas. Como os clubes de futebol profissional não são empresas juridicamente constituídas, os déficits recorrentes não impedem a continuidade da atividade esportiva. Não há punição para gestores incompetentes. E não há fair play financeiro, ou seja, punição esportiva para clubes com endividamento descontrolado”, explica o economista.       

Representação de camadas vulneráveis

O pesquisador Luiz Martins de Melo, professor associado do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ), ressalta que, embora uma equipe de futebol amadora ou semiprofissional tenha uma relevância econômica muito inferior à de uma equipe profissional, ela pode, por outro lado, ter grande impacto sociocultural.

Assim, para além do aspecto estritamente econômico, o futebol envolve questões históricas e contextos sociais diversos, como equipes fundadas por grupos específicos de imigrantes ou unidos por determinada visão de mundo. Um exemplo é o Red Star, time parisiense que representa a comunidade negra de Paris e já esteve engajado em diversas lutas sociais, entre elas, na resistência ao nazismo durante a ocupação alemã da França no período da Segunda Guerra Mundial. Há também a Palestino, equipe chilena fundada por imigrantes palestinos, que compõem uma grande comunidade no Chile.

No Brasil, temos camadas desfavorecidas da população representadas em campeonatos e copas de várzea, a exemplo da Taça das Favelas, que reúne equipes amadoras de diversas cidades. Essa competição traz visibilidade às comunidades vulneráveis e possibilita que vários jogadores de qualidade sejam vistos e contratados por equipes profissionais.

Ponte entre culturas

Outro aspecto que prova valer a pena canalizar um olhar mais atento para o futebol alternativo é a ligação entre esse esporte e geografia, história e cultura. Isso fica claro quando se observa como funcionam as torcidas de cada país, como se estruturam e apoiam seus times e clubes, qual o papel da música para cada torcida.

Perceber, por exemplo, como os apoiadores de um time japonês são extremamente diferentes daqueles de uma equipe mexicana — na mímica, no gesto, na alegria, na tristeza, e por aí vai. Até os hábitos alimentares e comportamentos de cada região podem ser revelados em um jogo de fim de semana. Testemunhar isso contribui para um melhor entendimento das diferentes culturas.

Lavagem de dinheiro e marketing político

No contexto global, vale ainda a pena lembrar o fenômeno do futebol no mundo árabe, em que esse esporte vem se consolidando cada vez mais. O outro lado da moeda, nesse caso, é o sportwashing, prática da lavagem de dinheiro que se tornou comum em países do Oriente Médio. Em lugares conhecidos por governos autoritários e pelo desrespeito aos direitos humanos, o futebol acaba sendo usado para tentar melhorar a imagem de um país perante o mundo.

Isso é o que ocorre, por exemplo, com Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, que adquiriram equipes inglesas e francesas como Newcastle United, Paris Saint-Germain e Manchester City. Ou o caso das principais equipes sauditas, Al Hilal, Al Nassr, Al Ittihad e Al Ahli, que estão comprando grandes jogadores do futebol europeu, a fim de estruturar uma espécie de superliga e tentar mascarar suas controvérsias internas. Melo observa que o investimento saudita e dos outros países árabes faz parte de uma grande estratégia de marketing político. “Para mostrar ao mundo uma sociedade moderna que apresenta atrações internacionais, a fim de melhorar uma imagem negativa em termos de direitos humanos, democracia etc.”, diz ele.

Apesar de todos os percalços e aspectos não exatamente louváveis, não faltam razões, porém, para se apaixonar pelas diversas ligas alternativas espalhadas pelo mundo. Mesmo com times de baixo investimento, muitas delas conseguem, em diversos momentos, montar boas equipes. Isso deixa claro que o futebol sem grandes estrelas, com poucos recursos financeiros e distante dos grandes palcos do esporte pode sempre surpreender — a qualquer hora e em qualquer lugar.

 Menina com celular. Foto criada por diana.grytsku - br.freepik.com

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